O Tambor e a Fotografia

Devota da Santeria em Havana, Cuba (Foto: Mariano González, 2019)

Devota da Santeria em Havana, Cuba (Foto: Mariano González, 2019)

Música para tambor é um pouco como fotografia em preto e branco.

Em preto e branco, a fotografia perde a distração da cor. O olho se volta às texturas, aos contrastes, às estruturas formadas de claros e de escuros. Do preto no branco. A cor dá vida, realismo, finge se aproximar do objeto real. Em preto e branco não há o real, há fotografia como abstração, como redução da realidade e reflexão pelo olhar.

O tambor não se vale de melodia nem de harmonia. O tambor é estrutura – um “tum” aqui e um “tá” lá. Slaps e open tones, claros e escuros, preto no branco. A música percussiva é o que acontece entre um som e outro, é feita de som e não-som, silêncio. Uns e zeros musicais (veja aqui minha aula sobre isso). Sem a distração da melodia, a música percussiva é a estrutura nua e crua. É a demarcação do tempo que o pé do dançarino transforma em espaço.

Mas o tambor – tal qual a fotografia em preto e branco – é também textura. A atenção se volta ao som da mão (calejada) acariciando a pele num tumbao de conga, ao som chuviscado das sementes de um caxixi, à maciez da marreta e ao chicoteio do bacalhau de um zabumba. O surdo de samba soa como a baqueta macia sobre o couro flexível – o tamborim, como o nylon duro, percutido ou por baqueta, ou pelas unhas e polpas dos dedos, naquele tiquetique.

Na percussão, se confundem tato e audição. É escutar com as mãos, para entender com o corpo.

*Esse texto é a versão estendida de uma anotação no meu diário de campo de Havana, Cuba, de Março de 2019, escrito logo após tirar a foto ao lado.