Chico César: Estado de Poesia
Sensível, político, apaixonado e racional. Estado de Poesia é um álbum singular, tão incrível que me fez abrir essa série de posts sobre álbuns recentes para ouvir o Brasil.
“Estado de Poesia”, faixa que dá nome ao álbum, tem o sabor do verso decassílabo do poeta popular nordestino. Nem entro no mérito da beleza do poema – me faltam palavras pra isso – mas musicalmente Chico César destila a essência da cantoria nordestina. A melodia carrega o verso, em função mais sintática que expressiva. O pulo do gato está na harmonia, tão minimalista quanto o resto, mas que sabe criar tensão no momento certo. Cuidado, pode causar falta de ar. Aqui, Chico César musicou a paixão.
“Miaêro” é um bolerinho delicioso, açucarado, com cara de arrocha, feito para o brasileiro expatriado dançar agarradinho em Berlim, Londres ou Dubai, chorando de saudades de ir à padaria de chinelo. Não vou perder tempo falando dessa faixa. Faço da vassoura minha dama e saio dançando pela quarentena.
Quando ouve “No Sumaré”, a gente já não sabe se ainda é Chico César, ou se Adoniran Barbosa voltou a encarnar no corpo do paraibano. Não só o estilo simples da harmonia e dos contornos melódicos remetem ao italo-samba Paulistano. A temática é a saudosa maloca do século XXI, escancarando de forma sensível, irreverente e poética o descaso pela população em estado de rua e as desastrosas empreitadas higienistas de que o centro da cidade sempre foi alvo. Estou decorando pra próxima roda de samba.
“Reis do Agronegócio” me fez olhar duas vezes e constatar que sim, esse álbum é mesmo de 2015, antes do assassinato de Marielle Franco, antes do golpe, antes do Temer, antes de Bolsonaro deixar de ser um piolho do baixo clero parlamentar para envergonhar o Brasil que não o merece. Antes de tudo isso, Chico César não só tinha visto a bancada ruralista tomando conta do país, como tinha tomado 11 minutos de seu precioso álbum para, com fala calma e com o coração tão pesado quanto a sonoridade grave e estática dessa faixa, dedicá-los a desmascarar as atrocidades daqueles que destroem e envenenam a Terra que nos deu toda a beleza e toda a poesia da qual se alimentou Chico César.
*Agradeço ao queridíssimo amigo Kamái Freire o presente de ter me apresentado a esse álbum maravilhoso.